24 de set. de 2010

Oração do Milho, de Cora Coralina

Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos o grão inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento de rústicos e animais do jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques, coroados de rosas e de espigas, quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos Faraós, quando Rute respigava cantando nas searas de Boaz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o bro nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido onde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho..

Um comentário:

É muito bom ler outras pessoas participando aqui mas, por favor, eu também quero comentar: retirem a verificação de palavras do blogue de vocês!
Obrigada!